Esta semana coloquei o papo em dia com uma amiga, conversamos sobre a vida em geral, propostas de publicação de artigos e sobre as lives deste ano no Canal Chris Brazil - vida e arte. Com a conversa eu me lembrei dos eventos do Curso de Psicologia em que participei e, com isso, resolvi revisitar meus escritos da época.
Hoje trago um texto que publiquei no antigo blog, Inclusão: casos e causos, que não existe mais. É importante frisar que esse texto foi escrito em 2015 e é anterior aos meus estudos e vivência com a Arteterapia.
Boa leitura!
Em 2015 fui convidada a participar de uma mesa redonda intitulada A inclusão do deficiente e a atuação do psicólogo. Logo depois de aceitar o convite comecei a pesquisar sobre o tema e a pensar no que eu deveria falar. Nesse processo de construção, fiz uma rápida retrospectiva procurando achar, em minha vida, indícios da presença de psicólogos que tivessem tido atuação junto as minhas angústias/deficiência.
Em 2014, durante quase três meses, tive contato com uma psicóloga, que também era pediatra. Logo no inicio das nossas conversas ela comentou que nunca tinha trabalhado com uma pessoa que tivesse deficiência e que tudo seria novo para ela. Infelizmente nosso contato foi breve, entretanto, certo dia ela fez a seguinte pergunta: – Você aprendeu a se defender desde cedo, né? – e obviamente tive que concordar com ela.
Confesso que, naquele momento, fiquei frustrada, pensei que a psicologia seria capaz de achar/determinar a origem dos problemas/angústias, quer sejam conscientes e/ou inconscientes, e com isso, apontar diretivas e/ou soluções.
Mas com a ideia da palestra comecei a pesquisar bibliografias e a conversar com alguns psicólogos buscando o link entre a deficiência e a psicologia.
A primeira questão que problematizei estava ligada à educação, ao desenvolvimento da criança, à psicologia da aprendizagem, e com ela, as barreiras à aprendizagem, os processos de aprendizagem e como se aprende.
Em seguida, lembrei que a inclusão social engloba a busca por igualdade de direitos e oportunidades no âmbito social, nessa perspectiva, busquei respostas na psicologia organizacional, visto que hoje, a contratação de pessoas com deficiência não é mais utopia, mas uma meta/cota a ser cumprida. Como o psicólogo poderia intervir nas empresas, com a finalidade de facilitar o processo de inclusão de pessoas com deficiência?
E por ultimo, e talvez o viés que mais me intrigou na época, levantei questões associadas à psicologia clínica, à psicoterapia. A deficiência influencia no psicodiagnóstico?
Infelizmente eu não achei o link que buscava. Mas não se preocupe caro leitor e cara leitora. Pense comigo: eu tentei resolver um problema utilizando uma lógica racionalista, com o pressuposto de que existem premissas e parâmetros científicos. Na época entendi que precisava refinar meu olhar para conseguir organizar meus pensamentos.
Continuando na construção da palestra: dentro das três linhas que pensei inicialmente, a psicologia da aprendizagem, psicologia organizacional e psicologia clínica, contemplariam a pessoa com deficiência em todas as esferas de sua vida, bem como seu desenvolvimento cognitivo, emocional, comportamental/social. E hoje, em 2022, entendo que existem camadas de sentido e que, na época da escrita original deste texto, eu não era capaz de aprofundar, logo, fiquei em uma camada superficial.
Confesso que nenhum dos meus amigos psicólogos me deu uma resposta que aquietasse minhas angústias, talvez porque eles só possuíssem informações teóricas sobre o que é ser deficiente.
Não podemos nos esquecer de que as pessoas com deficiência visual são constituídas por uma base somática diferente das pessoas que enxergam. Desta forma, suas funções psíquicas e a elaboração imaginativa das funções somáticas se constituirão a partir de condições peculiares, não conhecidas pelas pessoas não deficientes visuais (AMIRALIAN, 1993, p. 111).
Pensando a relação entre a pessoa com deficiência e seu terapeuta,
devemos ter em mente que a condição de deficiência interfere tanto no sujeito que a possui como no profissional que o atende [...]. Para os profissionais que atendem pessoas com deficiência, esta os afeta em vários níveis: na percepção do objeto, no campo do conhecimento, na área das emoções e afetos e no nível das fantasias inconscientes (AMIRALIAN, 1997 apud MAZZOTTA et al, 2007, p. 57).
Mesmo entendendo que a deficiência interfere/afeta nas/as relações da pessoa que a possui, “não se deve considerar a deficiência como a causa de perturbações psíquicas, mas sim como uma condição que dificulta as relações com o ambiente” (idem, idem). Nesse sentido, acredito que é fundamental à atuação de um psicólogo junto a uma pessoa com deficiência, bem como, a compreensão da deficiência em si, suas causas e consequências.
Para entender um pouco a relação do deficiente com o mundo em que vive, deve-se levar em consideração
que é a experiência corporal que permite o emergir dos sentidos [...] Neste sentido, a experiência perceptiva é que vai mostrar a relação dinâmica do corpo no mundo como um sistema de forças. O corpo é, então, visto numa totalidade em sua estrutura na relação com as coisas ao seu redor; o sentido já é imanente ao movimento, pois a relação no mundo é sempre significativa. O homem, ao se movimentar, já está dirigido para alguma coisa e caminha num espaço significativo. Assim, dispor de todos os órgãos do sentido é diferente de contar com a ausência ou diminuição de um deles, pois muda o modo próprio de estar no mundo e de relacionar-se. Isto assinala a importância de retomar o estilo dos movimentos e atitudes do portador de deficiência visual em diferentes situações e relações, para poder saber de sua percepção e cognição (AMIRALIAN, 1993, p. 111).
Para que se possa compreender a maneira com que a pessoa com deficiência se relaciona com o mundo que a cerca, Amiralian (1993) sugere que sempre se deve
considerar sua estrutura própria, que exprime ao mesmo tempo a dialética entre sua especificidade e generalidade: a) especificidade, que diz respeito aos dados sensoriais que ele reúne e que constituem o conteúdo daquilo que ele percebe do mundo; b) generalidade, que diz respeito à forma de organização desses dados, fornecida pela função simbólica e que revela sua aquisição cognitiva (p.111-112).
É importante entender que a pessoa com deficiência percebe sensorialmente o mundo de forma diferente de quem não possui deficiência, no caso do deficiente visual, por exemplo, se difere devido ao “conteúdo e a sua organização referirem-se ao tátil, ao auditivo, ao olfativo, ao cinestésico e ao resíduo visual” (idem, p.112).
Pensando nas relações e/ou convivência humana é imprescindível que se entenda as nuances das “armadilhas” da dialética da inclusão/exclusão. O conceito de exclusão talvez seja mais fácil de ser explicado e entendido, visto que é a “privação de poder de ação e representação” (WANDERLEY, 2008, p.23), ocorrendo, na maioria dos casos, de forma explícita. Entretanto, o impacto psicológico da inclusão selvagem, bem como da inclusão perversa, podem ficar mascaradas no inconsciente da pessoa. O que, nesses casos, não representa um efeito evidente, na maioria das vezes fica na esfera do sofrimento de quem é perversamente incluído e/ou injustiçado socialmente. Esse sofrimento pode ser diagnosticado como uma depressão, por exemplo.
Mazzotta (2008) define inclusão selvagem como a
posição, na medida em que propõe a redução, e até mesmo a extinção, de auxílios e serviços especiais. Isso revela uma perversa desconsideração das reais condições individuais e sociais de significativos segmentos da população que deles ainda possam necessitar, o que tem mais se prestado à sua marginalização e exclusão. Empregamos tal expressão particularmente em referência aos recursos escolares, mas, de igual modo, ela se aplica aos demais bens e serviços sociais (p.166)
Ouso afirmar, de forma alegórica, que a inclusão selvagem seria o mesmo que fazer uma inclusão a qualquer custo, mascarando as diferenças e especificidades de cada indivíduo em prol de uma imagem politicamente correta.
Certo dia eu tentei explicar para um amigo o que seria uma inclusão perversa (SAWAIA, 2008a), confesso que esta tarefa não foi fácil. A inclusão perversa pode, por exemplo, ser sinônimo de uma inclusão forçada que, normalmente, de forma velada, é composta por atitudes preconceituosas ou simplesmente “inadequadas”, que acontecem sorrateiramente, por longos períodos, o que não significa que não tenham ocorrido.
Em 2015 divaguei sem respostas claras e definidas. Entretanto, o mais importante é que propus, na palestra, uma reflexão consciente e crítica a respeito do sofrimento ético-político (SAWAIA, 2008b) da pessoa com deficiência. Para essa reflexão elaborei algumas questões e não dei respostas:
A psicoterapia pode "curar" as marcas deixadas por uma inclusão perversa?
Como “curar as feridas” deixadas nas pessoas que viveram processos de exclusão e/ou inclusão perversa na psicoterapia?
Às vezes, de forma alegórica, idealizo a psicoterapia como sendo uma viagem guiada no Labirinto de nossa Alma e que esta viagem pode nos proporcionar um autoconhecimento, o que pode possibilitar um retorno à realidade com uma nova ótica de nós mesmos e da vida.
Existe uma forma ou fórmula para essa aventura, um roteiro?
Mazzotta (2008) afirma que “aquele que fica separado dos demais, isolado, privado de sua capacidade de agir, está socialmente morto” (p.166).
Como trabalhar com uma pessoa com deficiência que vive em um contexto que acarretou a “Morte” de seus Sonhos e a tornou uma pessoa pseudofeliz?
Eu confesso que em 2015 não sabia exatamente o que esperar da atuação direta do psicólogo em relação à pessoa com deficiência, até porque eu seria um dos sujeitos dessa relação.
Como sempre gosto das alegorias, que nos fazem fugir do pensamento linear, antes de julgar uma pessoa com deficiência, diagnosticá-la, pense:
É fácil matar um leão por dia. Difícil é ter que conviver com ele de forma amigável, entendê-lo e, sobretudo, desmistificar os preconceitos socialmente impostos para, em seguida, ressignificá-los.
Ser deficiente nos dias de hoje exige um esforço e luta “48 horas por dia”, para provar para o mundo que se é "capaz" em um padrão de “normalidade” imposto.
Não exija que a pessoa com deficiência siga a lógica capacitista, respeite seu ritmo, seu tempo e seu modo de ser.
Viva a diversidade!!! O que seria do mundo se só existisse uma cor, uma nota, uma textura, um cheiro, uma temperatura?... Na minha opinião seria muito chata e não haveria música.
Eu gostei muito de revisitar esse texto e de atualizá-lo, pois, com esta leitura, percebi o quanto caminhei e amadureci conceitualmente. Com a Arteterapia pude entender as camadas de sentido da vida e, com a experiência teórico/prática, fui capaz de mergulhar profundamente em mim e reelaborar meu ser/estar no mundo, mas isso é assunto para outro texto.
Desejo a você, amigo leitor e amiga leitora, Paz e Sabedoria em sua Jornada, que seus passos sejam guiados pelo o que há de bom, bem e belo no Universo.
Até o próximo texto!
Referências
AMIRALIAN, Maria Lúcia T. M. INTERAÇÃO — condição básica para o trabalho do profissional com o portador de deficiência visual. Em Aberto, Brasília, ano 13, n.60, out./dez. 1993.
MAZZOTTA, Marcos José da Silveira et al. Relações interpessoais na inclusão de pessoas com deficiência: estudo sobre apoio psicológico a pessoas com deficiência visual. Cadernos de Pós-Graduação em Distúrbios do Desenvolvimento, São Paulo, v.7, n.1, p.53-82, 2007.
MAZZOTTA, Marcos José da Silveira. Reflexões sobre inclusão com responsabilidade. Revista @mbienteeducação, São Paulo, v.1, n. 2, p. 165-168, ago./dez. 2008.
SAWAIA, Bader B. Introdução: exclusão ou inclusão perversa? In: SAWAIA, Bader B. (Org.). As artimanhas da exclusão: análise psicossocial e ética da desigualdade social. Petrópolis: Vozes, 2008a. pp. 7-13
SAWAIA, Bader B. O sofrimento ético-político como categoria de análise da dialética exclusão/inclusão. In: SAWAIA, Bader B. (Org.). As artimanhas da exclusão: análise psicossocial e ética da desigualdade social. Petrópolis: Vozes, 2008b. pp. 97-118
WANDERLEY, Mariangela Belfore . Refletindo sobre a noção de exclusão. In: SAWAIA, Bader B. (Org.). As artimanhas da exclusão: análise psicossocial e ética da desigualdade social. Petrópolis: Vozes, 2008. pp. 16-26
Comments