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Foto do escritorChristina Brazil

Como “Matar” um Deficiente de forma eficiente sem usar arma de fogo ou branca.

Atualizado: 13 de abr. de 2020


Uma gota vermelha em um fundo branco.

Lamentavelmente a violência é uma constante em nossa sociedade contemporânea, mas hoje relato um tipo de crime silencioso e invisível aos olhos desatentos. Vida e Morte são conceitos que transcendem à concepção literal e é por isso, que para não cair no erro de uma escrita amargurada, pesada, me dou ao luxo de filosofar, para descrever práticas, que de forma eficiente, violentam e até levam a morte dos Sonhos (das ideias, dos ideais, das esperanças) de pessoas socialmente/psicologicamente mais frágeis.

A violência de que falo, é a simbólica, embora em alguns casos a física também esteja presente nos exemplos que quero citar. “A violência simbólica expressa-se na imposição "legítima" e dissimulada, com a interiorização da cultura dominante, reproduzindo as relações do mundo do trabalho. O dominado não se opõe ao seu opressor, já que não se percebe como vítima deste processo: ao contrário, o oprimido considera a situação natural e inevitável.” (L'APICCIRELLA, 2003, s/p)

Mas como “Matar” um Deficiente de forma eficiente sem usar arma de fogo ou branca? Identifico aqui três formas, mas que, infelizmente muitas outras existem:

Tortura – Mito de Prometeu – semelhante ao mito, em que é narrada a história em que Prometeu rouba o fogo de Zeus e o dá aos mortais. Zeus o puniu “pelo crime, deixando-o amarrado a uma rocha durante toda a eternidade enquanto uma grande águia comia, durante todo o dia, o seu fígado – que crescia novamente no dia seguinte”([i]). Assim pode se constituir o dia a dia de um deficiente, que ao ser violentado simbolicamente, tem seus sonhos devorados lentamente, mas diferentemente do mito citado, a morte é lenta e dolorosa.

Genocídio – tem como arma, de longo alcance, a legislação, por exemplo, que corrobora com a ideia de que a Pessoa com Deficiência é considerada incapaz, segundo um padrão de normalidade. Tal conceito permeia a cultura popular gerando os estigmas. De acordo com o Decreto n. 3.298/99([ii]) deficiência é “toda perda ou anormalidade de uma estrutura ou função psicológica, fisiológica ou anatômica que gere incapacidade para o desempenho de atividade, dentro do padrão considerado normal para o ser humano” (art. 3º, I) (grifos meus). Ainda segundo o Decreto n. 3.298/99, incapacidade é “uma redução efetiva e acentuada da capacidade de integração social.” (art. 3º, III) (grifos meus). Normalmente o deficiente acredita nesta “legitimação” de sua incapacidade, a começar confundindo incapacidade para o desempenho de atividade com incapacidade de integração social, fatos que perpassam a noção do senso comum de impedimento, impossibilidade, inabilidade – e, desta vez, ele também acaba por se tornar incapaz de Sonhar.

Homicídio – similar à situação “vivida” pelo personagem principal do Filme Ghost: do outro lado da vida, Sam Wheat (Patrick Swayze), só que, desta vez, em plena vida: Sam é morto por um tiro, seu fantasma surge de seu cadáver, que fica ao lado de sua esposa. Ao longo do filme Sam percebe aos poucos que ele é um fantasma, cuja presença não pode ser vista ou ouvida ([iii]). Assim é a vida de muitas Pessoas com Deficiência, que em vida, não tem sua presença percebida, ou ao menos, de forma intencional é excluída da rotina, das brincadeiras, das oportunidades etc., fazendo com que a pessoa se sinta invisível (um fantasma).

Depois que a “Morte” é consumada, o indivíduo passa a viver como um ser autômato, um trabalhador “escravo”, um cidadão pseudo-feliz.

Mas não pense caro leitor, que tudo é amargura e tristeza, ou que este é o fim de Todos os “Mortos”. Trago aqui, mais uma alegoria:

Al-Jili faz da fênix o símbolo daquilo que só existe em função do próprio nome; ela significa aquilo que escapa às inteligências e aos pensamentos. Assim como a ideia de fênix não pode ser alcançada a não ser através do nome que a designa, Deus não pode ser alcançado a não ser pelo intermédio de seus Nomes e suas Qualidades (CORM, DEVA, DURV, GUES, JILH, KALL, SOUN).
Esse pássaro magnífico e fabuloso levanta-se com a aurora sobre as águas do Nilo, como um sol; a lenda fez com que ele ardesse e se apagasse como o Sol, nas trevas da noite, e depois renascesse das cinzas. (...) Ela é o Símbolo da ressurreição. (CHEVALIER & GHEERBRANT, 2003, p. 422)

Como a Fênix podemos ressurgir de nossas próprias cinzas. Infelizmente, nem todos têm essa capacidade, ou ao menos, estão fracos demais para ressurgir. Como sempre, gosto de apontar caminhos aos problemas que apresento, mas em muitos casos a ajuda externa é crucial para a reconstrução interna, quer seja através de um ombro amigo, uma palavra de consolo, uma mão estendida; amizade, compreensão; um “tapa” para acordar (este no bom sentido); ajuda profissional; respeito; oportunidade digna.

Aí novamente colocamos as definições atuais e legislação vigente em cheque: Já alcançamos, com relação ao assunto Deficiente, o caminho apropriado para tratar o assunto no âmbito trabalhista? Bem como no âmbito social?

Acredito que como diz o ditado: de médico e louco, todo mundo tem um pouco. Ninguém é plenamente normal, desta forma, ninguém tem o direito de “matar” os Sonhos do outro, só porque em algum aspecto ele é socialmente considerado deficiente. O mais curioso é que constatamos que tudo isto independe do nível de conhecimento, cultura, formação e valores do “dito deficiente”...

Boa semana e que teus Sonhos se tornem tua realidade.

Força e Fé.

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Referências:

CHEVALIER, Jean & GHEERBRANT, Alain. Dicionário de Símbolos: (mitos, sonhos, costumes, gestos, formas, figuras, cores, números). 18ª ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 2003.

L'APICCIRELLA, Nadine. O Papel da Educação na Legitimação da Violência Simbólica. © Revista Eletrônica de Ciências - Número 20 - Julho de 2003. Disponível em: http://www.cdcc.sc.usp.br/ciencia/artigos/art_20/violenciasimbolo.html . Acesso em: 21/09/2013.

Notas:

* O texto original foi publicado em 21/09/2014 no Tumblr (http://inclusaocec.tumblr.com/ ), Em 2015 foi promulgado o Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei n. 13,146/2015), que traz uma visão biopsicossocial de deficiência, entretanto, de forma geral, a sociedade ainda está arraigada aos aspectos incapacitantes de uma visão clinica (orgânica) de deficiência, por este motivo mantive o texto tal qual foi publicado em 2013.

** Imagem by Christina Brazil (2017)

[i] Wikipédia: http://pt.wikipedia.org/wiki/Prometeu

[ii] O Decreto nº 3.298, de 20 de dezembro de 1999 versa sobre a Política Nacional voltada a “inclusão” da Pessoa com Deficiência. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/d3298.htm

[iii] Sinopse do filme, disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Ghost


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