Fiquei muito honrada ao ser convidada para participar da Conferência de Abertura da IV Semana de Psicologia da UNIABEU, e muito feliz por dividir a mesa com uma amiga de longa data, de lutas e resistências: Dra. Erika Leme. Entretanto uma inquietação tomou conta do meu coração: o que falar em meia hora? Tantas ideias passaram em minha mente, muitos caminhos estavam disponíveis.
Em 2015 participei da Semana de Psicologia com a palestra: A inclusão do deficiente e a atuação do psicólogo. Hoje, ao reler o material que escrevi, vejo que em 2015 não consegui achar o link que procurava. “Eu tentei resolver um problema utilizando uma lógica racionalista, com pressuposto de que existem premissas e parâmetros científicos. Acredito que preciso refinar meu olhar para conseguir organizar meus pensamentos” (BRAZIL, 2015, s/d).
Caro leitor, para entender minhas próximas palavras, eu te convido a sair de sua zona de conforto, de “normalidade”, do ensimesmamento de seus padrões que possam te impedir de vislumbrar que o outro é diferente de ti, que há um universo de possibilidades que não somos capazes de divisar.
Hoje a forma com que vejo/sinto/estou o/no Mundo é bem diferente do que há dois anos. De modo geral e na correria de nossos dias, nós pouco voltamos nossos sentidos a nós mesmos, e quem dirá aos outros. Vivemos entorpecidos, pseudofelizes e nem nos damos conta, só quando há a crise (o clamor da Alma).
Hoje escolhi dar voz à Alma por ela ser parte da metáfora base da psicologia (HILMAN, 1993) e com isso, te convido a dar voz e a ouvir sua alma. Posso garantir que ela tem muito a lhe dizer. Como se faz isso? Boa pergunta... ela está aí dentro, em algum lugar, volte seus sentidos para dentro e verás o invisível, ouvirás a voz do silêncio e sentirás o intangível.
Alegoricamente, penso a psicoterapia como uma viagem guiada nos Labirintos de nossa Alma[i], desvendando os enigmas da Alma e o “analista defronta-se com problemas e esses não são meramente atos comportamentais classificáveis ou categorias médicas de doenças. São acima de tudo experiências e sofrimentos, problemas com um ‘lado de dentro’” (HILMAN, 1993, p.55).
Ressalto que o analista não pode perder sua conexão com o interior, atendendo ao que fora chamado: atender à Alma.
Agora gostaria de contar uma história:
Existem muitas abordagem teóricas de psicoterapias, mas jamais podemos perder de vista as palavras de Jung: “Conheça todas as teorias, domine todas as técnicas, mas ao tocar uma alma humana, seja apenas outra alma humana.”
Acredito que não haja algo na vida que seja tão delicado quanto o diálogo entre Almas. Isso requer abertura ao outro e, principalmente, de si.
Pessoas socialmente excluídas carregam consigo um peso que não lhes pertence, um estigma que a sociedade esculpiu com base em uma (pseudo) padronização da percepção do mundo físico, entretanto, aquele que não se enquadra a este perfil, está fadado à rótulos (pré)concebidos de (in)capacidade, (des)valia.
Mas enfatizo que o terapeuta não pode se limitar a classificações superficiais e rasas, ele não pode perder o foco do interior, e lá, nas profundezas da Alma, há a Sombra, o Inconsciente... O encontro entre terapeuta e cliente começa não só com as projeções da pessoa que busca ajuda terapêutica, “na análise, a contratransferência já se encontra ativada antes mesmo de a transferência chegar a iniciar-se” (HILLMAN, 1984, p.12).
A proposta hoje é transcender o visível, o social e entender que quando alguém nos procura para terapia, enquanto terapeutas, não podemos ter uma postura preconceituosa, de rejeição e/ou prevenção (HILMAN, 1993), pois corremos o risco de o encontro ser estéril.
Não ousaria conceituar ‘Alma’, amordaça-la, visto que a literatura traz muitas afirmações/conceituações que se faz da Alma e todas são “posições verdadeiras, na medida em que são afirmações sobre a alma feitas pela alma. Elas são a descrição que alma faz de si mesma na linguagem do pensamento” (HILLMAM, 1993, p. 57).
Não seria diferente com o conceito de ‘Inclusão´, neste caso, existe uma vasta literatura que sugere formas e fórmulas que, segundo quem as escreveu, pode proporcionar ao sujeito potencialmente excluído, a participar plenamente na vida social, ou ao menos a redução de barreiras que o impedem exercer seus direitos e de cumprir seus deveres enquanto cidadão. Mas a meu ver, todas não inócuas se não ouvirem e/ou tocarem a Alma de quem sofre, que é excluído ou perversamente incluído[i].
É importante ter em mente que cada pessoa vê/sente/está o/no mundo de forma distinta, por isto não podemos medir a sensibilidade das pessoas usando apenas uma medida; não podemos “concluir pela igualdade das sensações, tampouco pela igualdade dos caracteres e dos temperamentos; o mesmo acontecimento provoca um sentimento imperceptível em alguns e uma dor violenta em outros” (MARX, 2006, p. 25).
Ainda pensando a psicoterapia como uma viagem pelo Labirinto de nossa Alma, nos recônditos do inconsciente, se bem guiada, proporciona o autoconhecimento, o que possibilita um retorno à realidade com uma nova ótica de nós mesmos e da vida. Mas este Labirinto não tem mapa e nem roteiro. Eu costumo brincar dizendo que não devemos desmontar o que não pretendemos remontar, o mesmo vale para pessoas, principalmente as que estão emocionalmente feridas e cansadas de carregar o pesado fardo do estigma social, pois estas, terão mais dificuldade para se recomporem, isso se conseguirem.
E voltando à viagem ao Labirinto da Alma, pense bem, seja cauteloso, as pessoas feridas são mais frágeis, não as abandone, nem menospreze seus sofrimentos e medos. Estenda sua mão a quem precisa, dê a ela Coragem para Confrontar: enfrentar face a face seus medos. Esta viagem é longa, e a meu ver, a Coragem para Confrontar tem que ser uma proposta de vida, sempre alerta e vigilante, com o intuito de ser capaz de moldar nossas ações, pensamentos, a cada novo embate.
As vezes vejo a ‘Alma’ como um belo farol, que a tudo resiste, firme a iluminar a imensidão de nossa Sombra, mas como todo viajante, devemos manter o foco em nossa busca, em nossa individuação. Pois como respondeu o Gato a Alice: “Para quem não sabe para onde vai, qualquer caminho serve” (CARROLL, 1865) e em psicoterapia esta não é uma resposta aceitável. “Faço esse alerta para não percorrermos incessantemente um círculo vicioso de lamentações sem uma reflexão produtiva, o que nos estagnaria e que, talvez, acarrete a “Morte” de nossos Sonhos, nos tornando pessoas pseudofelizes” (BRAZIL, 2013, s/p).
Desejo que todos tenham Força e Fé ao adentrarem no Labirinto de sua Alma, para conhecer suas possibilidades, enfrentar seus medos e sendo sempre Bem Sucedido em suas Aventuras.
Boa semana a todos.
Notas:
[i] "A alma não é realmente um conceito, mas um símbolo" (HILLMAN, 1993, 58).
[ii] Para entender melhor o conceito de inclusão perversa sugiro a leitura da Introdução do livro: As artimanhas da exclusão: análise psicossocial e ética da desigualdade social (SAWAIA, 2008).
Referências:
BRAZIL, Christina Holmes. Inclusão: Formas e Fórmulas – existe alguma que seja eficiente? Blog: Inclusão Casos e “Causos”. Publicado em 04/01/2014. Disponível em: http://inclusaocec.tumblr.com/post/72259916333/inclus%C3%A3o-formas-e-f%C3%B3rmulas-existe-alguma-que
_______.Janelas da Alma. Blog: Inclusão Casos e “Causos”. Publicado em 20/04/2014. Disponível em: http://inclusaocec.tumblr.com/post/83359848842/janelas-da-alma
_______. A inclusão do deficiente e a atuação do psicólogo. Blog: Inclusão: casos e “causos”. Publicado em 13/09/2015. Disponível em: http://inclusaocec.tumblr.com/post/129026460835/a-inclus%C3%A3o-do-deficiente-e-a-atua%C3%A7%C3%A3o-do-psic%C3%B3logo
CARROLL, Lewis, Alice no País das Maravilhas, 1865.
HILLMAN, James. Suicídio e Alma. Petrópolis: Vozes, 1993.
__________. Uma Busca Interior em Psicologia e Religião. São Paulo: Paulus, 1984.
MARX, Karl. Sobre o Suicídio. São Paulo: Boitempo, 2006.
SALVADOR DALI-FIGURE AT A WINDOW(80 YEARS LATER_PROCESSING PAINTING)
Disponível em http://marianna-adamopoulou.blogspot.com.br/2011_09_01_archive.html
SAWAIA, Bader B. Introdução: exclusão ou inclusão perversa? In: SAWAIA, Bader B. (Org.). As artimanhas da exclusão: análise psicossocial e ética da desigualdade social. Petrópolis: Vozes, 2008. pp. 7-13
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