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  • Foto do escritorChristina Brazil

Paisagem Sonora

Atualizado: 21 de nov. de 2020


Há exatos quatro anos que publiquei este texto e ao lê-lo, fez com que eu me lembrasse do que motivou a escrever sobre a paisagem sonora da vida, do que move e alimenta minha Alma. Por isto resolvi republicá-lo e compartilhar com você, para que possamos vislumbrar um magnífico universo de possibilidades...

Certa vez uma aluna comentou comigo que viu um cego no metrô que sabia exatamente quando deveria saltar, mesmo sem a indicação sonora, e fez-me a seguinte pergunta:

– Professora, como ele sabia que faltavam três estações para saltar? – e com bom humor eu lhe disse: – Você sabia que cego sabe contar? – depois expliquei, com outros exemplos, como as pessoas que não veem se localizam, sentem o mundo, as curvas que o ônibus faz, as subidas e descidas dos viadutos, buracos etc.

É lógico que perguntas engraçadas surgiram: – E se o sujeito dormir no ônibus?

Essa aula foi divertida, porque o foco não era a deficiência, mas sim, o lugar do corpo no mundo. Acredito que coloquei algumas pulgas atrás das orelhas de quem me escutava, instigando um olhar mais apurado do que nos cerca.

Muitas pessoas perguntam como vejo as coisas, com uma concepção de vida limitada às imagens, à visão como sentido supremo do ser humano. A cultura nos dias de hoje prioriza o visual e quem não vê, é tido como alguém que está à margem da cultura predominante e, com isso, de muitas oportunidades.

É tão difícil explicar como sinto o mundo. A vida não é composta apenas de imagens, temos uma composição rica de sensações, cheiros, sons e emoções, isso faz com que o pouco se torne muito e o essencial, magnífico.

Tenho um lema que aprendi com meu Mestre: Vigilância dos Sentidos (um bom tema para um próximo texto). Se eu tenho outros sentidos além da visão, acredito que devo compor minha vida com todos eles de forma consciente.

Você já brincou de jogo da memória? Como era o jogo? Era composto por cartas que continham imagens, e tínhamos que juntar as cartas iguais. E o jogo terminava quando juntávamos todas as cartas com figuras iguais.

E de jogo da memória olfativa, você já brincou? Eu já, quando fiz estágio e cursos no Instituto Benjamim Constant (instituto de educação para deficientes visuais). A Cabra cega é uma boa brincadeira que coloca crianças e/ou adultos em um universo sem imagens e que poderia ser mais explorada.

Nossos sentidos são magníficos, transformam o que seria infinitesimal em um mundo surpreendente de possibilidades. Por isso que a alegoria do caçador, em minha opinião, é perfeita. “O caçador teria sido o primeiro a “narrar uma historia” porque era o único capaz de ler, nas pistas mudas (se não imperceptíveis) deixadas pela presa, uma serie coerente de eventos” (GINZBURG, 2009 p.152).

Você pode se perguntar: como ele, o caçador, pode com apenas pegadas na lama, ramos quebrados, bolotas de esterco, tufos de pêlos, plumas emaranhadas, odores estagnados, decifrar as formas e movimentos de suas presas?

Temos uma pegada! E isso significa que um animal passou por ali. A pegada é a pista materializada, o pictograma que representa “um incalculável passo à frente no caminho da abstração intelectual” (GINZBURG, 2009 p.153). Em outras palavras, “se a realidade é opaca, existem zonas privilegiadas – sinais, indícios – que permitam decifrá-la” (Idem, p. 177).

Talvez essa seja uma pequena parte de uma vasta explicação, do meu olhar/sentir/estar o/no mundo. Entretanto, não poderia deixar de citar o conceito de invariantes sonoras, no qual “todo fenômeno ou evento sonoro percebido em conjunto, como um todo coerente, é entendido de acordo com uma escuta reduzida que o visa por si-mesmo, independente de sua proveniência ou de sua significação” (CHION, 1983, p. 34). Ou seja, podemos descrever/compor toda uma paisagem sonora, com os sons que escutamos do ambiente. No entanto, usualmente e de forma desatenta, voltamos nossa escuta aos sons que têm em si uma significação (tons de voz ásperos ou suaves, choro, gritaria, dentre outros), talvez a diferença do meu olhar/sentir/estar o/no mundo, esteja na capacidade de abstrair e compor a realidade, com uma escuta refinada aos sentidos, cuidadosamente atentos, aliados a uma sensibilidade e capacidade em abstrair, transformando o infinitesimal em um mundo de possibilidades.

Ver, muitas vezes é mera figura de linguagem, por isso, após ler este texto te convido a compor uma paisagem sonora. Feche seus olhos e ouça com a mente e com o coração a música do link abaixo**. Componha em sua mente um mundo completo, com imagens, cores, formas, movimentos, seres, odores, texturas... ou, simplesmente sinta sua Alma.


Bom fim de semana.

Referências:

CHION, Michel. Guide des objets sonores. Buchet/Chastel: Paris, 1983

GINZBURG, Carlo. Mitos, Emblemas, Sinais. Morfologia e História. São Paulo: Cia. das Letras. 2.ed. 2009.

Notas:

* Este texto está revisado, o original foi publicado em 25/05/2014 no Tumblr (http://inclusaocec.tumblr.com/

** Música Anima Mundi, álbum A Leste do Sol, Oeste da Lua, 2000. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=k-7I00yFvWA

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