– Oi. Sabia que ia te encontrar aqui hoje. Vi que comprou livros novos...
– Mas eu ainda não os li. Estou encafifada com uma coisa que li.
– Gosto disso! O que você leu?
– Tenho pensado nos meus “limites” e em minhas leituras me deparei com um excerto de Jallaludin Rumi, onde diz que “Novos órgãos da percepção passam a existir em consequência da necessidade. Portanto, ó homem, aumenta tuas necessidades e poderás expandir tua percepção.”[1]
– Mas em que contexto você vê esses “limites”?
– Calma! Não acabou... mais adiante, no mesmo livro, o autor escreve que “trabalhar dentro dos limites impostos pelo meio nos obriga a mudar nossos próprios limites. Improvisar não significa romper com formas e limitações apenas para se sentir ‘livre’, mas usá-las como um meio real de superação.”[2]
– Você está pensando em sua deficiência?
– Mais que isso meu caro... Estou repensando a vida.
– Posso pegar um café e sentar? Já vi que nossa conversa vai ser instigante.
– Sim, claro! Fique à vontade!
...
– Pense que sua vida é um grande rolo de papel em branco, e que a cada momento, enquanto o papel se desenrola lhe é dado uma série de instrumentos: lápis, tintas e muitas outras coisas. Os lápis representam seu livre arbítrio, com eles você desenhará no papel, deixará sua presença no mundo.
– E como se encaixam os limites nesse contexto?
– Feche seus olhos. Se imagine do tamanho de uma formiguinha e você está perdido neste grande rolo de papel...
– Nossa!!! Angustiante! Sinto como se estivesse em um deserto de papel.
– Quais são seus limites?
– Todos!!! (risos)
– Pois é... podemos pensar os “limites” sob o viés social, coletivo. Podemos vê-lo sob a ótica física, material e orgânica. Ou também com o olhar da psique, da mente.
– E a formiga? (risos)
– Qual é o maior sonho da formiga?
– Sair do papel? Ser livre? Ser feliz?
– Boa!!! Pois é, lendo o livro A Arte da Felicidade[3], vi o seguinte trecho: “com a mobilização dos nossos pensamentos e a prática de novos modos de pensar podemos remodelar nossas células cerebrais e alterar o modo de funcionar do nosso cérebro”. Essa é uma das formas de romper nossos limites. Acredito que seja a mais eficaz de mudar nossos limites.
– Mas a formiga continua no papel!? ( dando de ombros)
– E é provável que ela nunca saia de lá, ao menos viva. Mas não vamos nos alongar a respeito da vida espiritual da formiga.
– Como assim!?
– Os limites existem, de uma forma ou de outra eles sempre estarão lá. Como seria a vida da formiga se ela não enxergasse?
– Ela não veria que o papel é branco e não saberia seus limites. Não saberia o que fazer com os lápis e tintas...
– Só isso? Olhe àquela parede ao final da sala. O que você vê?
– Uma parede azul!?
– E depois da parede?
– Nada! Só vejo a parede. Não tenho visão de raio X!
– Exercite sua mente...
– ???
– Descubra!
– Como?
– Essa é a questão!!! Não é o fato de não ver. É o que você faz com o que você tem e com o que lhe falta. Como você pensa a vida e seus limites. Existem muitas formas de descobrir o que fazer na folha, mas não fomos educados a pensar o que e como fazer. Simplesmente não sabemos usar o que nos é oferecido. Mas o que há atrás da parede...? Olhe pela janela...
– Você me deixa envergonhado.
– Quanto a nossa amiguinha formiga, acho que ela deverá aprender a usar os instrumentos que lhe forem oferecidos ao longo de sua jornada de vida... Ela deverá ter disciplina e com a prática aprenderá a criar e se recriar. E enquanto o tempo fluir, ela desdobrará a consciência de si e do(s) outro(s). “Ser, atuar, criar no momento presente [...] pode proporcionar um supremo prazer, mas também pode dar medo. Dar um passo para o desconhecido pode levar à alegria, à poesia, à invenção, ao humor, a amizades para toda a vida, à realização pessoal”...[4].
– As vezes acho que estamos tão perdidos em nós mesmos, que não vislumbramos o oceano de possibilidades que é a nossa vida.
– E não um deserto como você disse antes. Curioso...
– Poderíamos nos encontrar de novo e conversar mais um pouco? A gente lê sobre as descobertas da neurociência, mas acredito que esse exercício maiêutico é fundamental para ampliarmos nossos limites. Eu digo todos, pois entendi que mesmo com limitações físicas: paredes, deficiências ou outras coisas, podemos ampliar nossa percepção de nós mesmos, das outras pessoas e com isso, do mundo que nos cerca.
– Encontro marcado! Boa semana.
Notas:
1 – NACHMANOVITCH, 1993, p.79
2 – NACHMANOVITCH, 1993, p.84
3 – DALAI LAMA & CUTLER, 2000, p. 51
4 – NACHMANOVITCH, 1993, p.32
Imagem: Christina Brazil (nov/2016)
Referências:
NACHMANOVITCH, Stephen. Ser Criativo – o poder da improvisação na vida e na arte. São Paulo: Summus, 1993.
Sua Santidade O Dalai Lama e Howard C. Cutler. A Arte da Felicidade: um manual para a vida. Tradução de Waldéa Barrellos. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
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